Tetsuo, the Iron Man & Save the Green Planet - A Experiência Final
O Cin'Surgente chega ao fim. Morte em grande estilo. Extreme experience. Asian cyberpunk! Futuro proibido. Cybiose primitiva. Dois filmes que se insurgem contra a Ficção-Científica otimista e escessivamente feliz do legado Star Trek. Nenhum progresso. Nenhum happy end. Enfim, nenhum conformismo ególatra. A esperança triunfante da Ficção-Científica é uma muleta para quem tem medo de trilhar caminhos à beira de abismos. Ao quebrar esses parâmetros mentais da prudência conformista chega-se a lugares que ambos os filmes, "Tetsuo - the Iron Man" (1989-Japão) e "Save the Green Planet" (2003-Coréia do Sul), chegaram: o zen do princípio da crueldade (crudus - indigesto). A estrutura cartesiana reduz-se às cinzas. O princípio de causalidade, tão caro à ciência, é desprezado. A separação entre sujeito e objeto, completamente ignorada. O tédio... ridicularizado! Experiência direta, imediata, não filtrada com a tecnologia e com alienígenas. E sim, como diz um provérbio zen: "só encontrará a sua vida aquele que a perdeu"! Voi lá!
Tetsuo - the Iron Man, ou a arte cruel de um cybionte primitivo zen - este filme de Shinya Tsukamoto é um magnífico tratado cinematográfico. Primeiro por ser cinema em sua mais intensa experiência: libertação da literatura. E, em segundo, por ser uma inquietante tese sobre a relação entre nós humanos e nossos artefatos: somos um círculo vicioso, ou fita de Möebius entre ser vivo e ser máquina. É por esta segunda via que trilharemos. Na interface humano/máquina somos realidade última: não há objetivos, resultados práticos, evolução ética ou mesmo aprimoramento estético. Nela qualquer domínio técnico é insuficiente. É uma téchne sem téchne, arte sem arte. É um duplo desprendimento de si próprio: se o nada é o próprio infinito, o infinito é propriamente nada. Esse duplo desprendimento é a relação extreita entre intuição (no entanto, uma intuição especial, pois está mais próxima possível da sexualidade - intuição sexual que simultaneamente capta a totalidade e a individualidade das coisas) e a consciência cotidiana (o cálculo que inspira e sustenta toda a "luta" diária). Ser humano/máquina não é uma simples especulação, mas experiência única que o intelecto não pode conceber. Somente é possível conhecer quem profundamente o ignorar. Pois deixa de ser uma perseguição por um resultado exterior ou interior, e torna-se uma experiência onde ambas as esferas se confundem. Desse modo tudo o que é anterior é constituído a posteriori. Tudo o que é histórico é constituido não-historicamente. São as condições para a formação de instintos - o filho nasce antes da mãe. Insólita noção de sucesso: é preciso que se afunde ao máximo nos próprios fracassos - superar os pensamentos. A techné genuína de Tetsuo não conhece nem fim nem intenção. Tetsuo é um deixar para trás tudo o que se tem e o que se é lançando-os ao futuro. É expectativa livre de intenções. Tudo o que se faz está feito antes que se saiba. Adaptação ao acontecer. Nenhum significado de imitação. Apenas absorto na sua ação. O terror é sua criação autêntica. Sentimento terrorista desprendido de si mesmo. O/a criador/a não está presente enquanto criador/a, mas sim apenas enquanto criação. A morte como forma de vida. Não existindo qualquer distância entre o gesto de se esquivar e o de atacar. Não existindo qualquer distância entre o vivo e o autômato. Tudo é um mesmo vazio. Um reencontro da segurança ingênua do/a principiante absorvida como traço dominante de personalidade. Indiferença a tudo o que pode amedrontar. Assim, Tetsuo é um viver no mundo sempre preparado a abandoná-lo. A idéia da morte não lhe é mais perturbadora. Tetsuo domina a vida e a morte, o humano e a máquina, portanto está livre de todo temor. É mestre zen de uma arte cruel. Apenas revela o que tiver de revelar com atitudes, jamais com palavras. Tetsuo a extrema expressão de um cybionte primitivo zen.
Save the Green Planet, ou a Próxima Grande Aventura Póstuma da Humanidade - a visão de Jun-Huan Jeong, com este seu filme, é diabolicamente inteligente e inspiradora. Sua questão norteadora é terrível: do que estamos falando quando dizemos em salvar o mundo? É do planeta Terra em si? É do mundo animal, vegetal e mineral? É preservar as culturas como elas se encontram neste exato momento? Ou seria, simplesmente salvar o lugar onde habitam os humanos? Mas... salvar? De quê e/ou de quem? Da morte? Da dor? Do tédio? Da conquista? De outra pessoa? De mim mesmo/a? Save the Green Planet dá algumas dicas: absolutamente nenhum programa; a melhor maneira de não viver; anti-padrões de vida; a única forma certa de vida é incerta; corresponsabilidade de minhas misérias; cuidado com os bons selvagens; aversões e medos civilizados; nova história para velhas tragédias. Mas que tipo de dicas são essas que não ajuda em nada para respondermos a questão norteadora? Simples, o filme é um sistema complexo tal qual o tratado pela Teoria do Caos e suas idéias são meros estranhos atratores. Estes são pontos para os quais toda órbita que passar perto é atraída por eles. Nos sistemas caóticos esses pontos são denominados "estranhos", devido ao elevado grau de incerteza dos resultados desses sistemas. Ainda assim, não é possível entendê-lo. Pois bem, mais uma chance. O filme visa contrabalancear com estranhezas aquilo que desde já supomos como certa: é preciso salvar o mundo. Seu enredo é uma espécie de anarcopsicanálise antiedipiana, polissexualidade, esquizocultura e pânico diante a possibilidade do fim. A cada momento surge uma estranheza para aterrorizar nossas certezas que supostamente gosta da liberdade de expressão. Save the Green Planet não recalca desvios de comportamento nem reprime os ataques a sua própria consciência. É uma resposta poderosa sem os clássicos niilismos sorrateiros do ocidente: drogas free, surrealismo, New Wave, Nova Ordem Mundial, Terrorismo eco-capitalista, Turismo sustentável. Resposta poderosa por ser belamente ultrajante; não há nenhum novo paradigma social; não confirma nenhuma visão quântica ou existencialista; nenhum vazio budista; nenhum abismo nietzscheano; nenhum vazio da incerteza de Joyce; nenhum tipo de iluminação pela Relatividade Especial de Einstein; enfim, nenhum Produto Interno Bruto. Hã, não há milagres? Como assim? E agora, o que vamos fazer? Abandonar o barco? Tão próximo da margem... BUM!!! Um final maravilhoso? Não, obrigado.
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