El Topo - ou, Por uma Mística do Trágico
Superfície. Antes de cavar: Oeste dos Estados Unidos da América. Ante sala da Guerra Civil Americana. Ocupação de terras, criação de gado, luta com indígenas, segregação. Cowboy solitário, pistoleiros, aventureiros, jogadores, vagabundos errantes, xerifes, garimpeiros. Roupa do corpo, revólver, cavalo. Cavando um pouquinho: Jogatina, álcool, prostituição. Futuro glorioso à ferro e fogo, ideais patrióticos, presença militar dos colonizadores. História linear, enredos vazios, moral imperiosa. Civilização como um bem a ser alcançado. Ahá encontrei algo. Ei, isso é o Western, um tipo de cinema estadounidense por excelência!
Bem, deixa eu cavar um pouco mais e entrar mais a fundo no Western. Estimulante e anestesia ancestral inextirpável do judáico-cristianismo-europeu: o ser humano pode agir sobre seu destino; ele não é mais um joguete dos deuses pagãos; sob a insígnia do Deus único o ser humano age sobre si mesmo, bastando apenas, lutar ferozmente contra os três grandes demônios que exercem domínio cruel sobre sua existência: o artifício, a natureza e o acaso. O primeiro grande demônio, o artifício (tudo o que é múltiplo - no caso, materializado como diversas sabedorias indígenas), deve ser moralizado. Pois o artifício, não tem regras; é um capricho arbitrário; é filho da faculdade de resolver e decidir e, portanto, uma injustiça. O segundo, a natureza deve ser domada. Pois a natureza sempre foi considerada como uma forma eficaz contra toda forma de superstição e de crença religiosa. A natureza é filha de nenhum princípio gerador - perigo absoluto para qualquer cristão. Desse modo, domada a natureza é apenas demanda das terras prometidas aos mórmons e demanda destinada à reforma agrária europeia além mar. O terceiro grande demônio é o pior de todos! E assim, deve ser aniquilado sem dó nem piedade. É o acaso. Risco perigosíssimo, pois nele tudo foge do controle. É a própria insignificância radical de todo acontecimento, de todo pensamento e de toda existência. Fonte invisível de tudo o que nos desagradam, pois pode se admitir tudo, menos o acaso. Neste a civilização chegada ao novo mundo é, nada mais nada menos, do que um destino lamentável. (Ah, lembremos: esse fundo a que cheguei não é privilégio somente dos Estados Unidos, muito menos do Western.)
E agora? Já estou bem fundo... Opa, acho que alguém está se aproximando... Parece que está vindo por baixo... Ah! É uma topeira! Helo my friend!
- Hola mi amico! Yo soy el Topo!
- El Topo? Español? Entonces tu no habla inglês?
- Inglês? No. Pero, infelizmente, hablo la lengua de otro colonizador.
- Ah, entiendo. Eu também falo a de outro... mas el Topo, o que te trazes até aqui?
- Si, esta es una longa história. Pero yo hablaré a ti em tu lengua también no originária. Minha história é a seguinte:
Minha trajetória é dupla. A primeira se situa no real, porém na forma de um manifesto (não surreal) contra o homoreligious, esta absurda disciplina de viver à sombra de Deus; esta grande segunda chance que ocultou a crueza do trágico irreversível de nossa existência. A segunda é o duplo da primeira: uma espécie de ilusão oracular. O ardil e a ironia dos efeitos do real: o homonaturalis, esta absurda disciplina de viver às sombras da promessa de explicação, que supera o homoreligious abandonando o heterocídio em prol do suicídio: o nada que decidiu a forma de existência que observamos.
Meu manifesto, minha primeira trajetória é indiferente à própria ideia de causa; a existência não tem nenhuma essência que a fundamente: nenhuma dissimulação nem mistério. O deserto é minha paisagem mais própria. Minha indiferença é meu tipo na certeza de que a única causa possível é o acaso: o único apto a trilhar mil caminhos possíveis. É preciso enterrar a mãe. Desse modo, sem mesmo a imagem da mãe, o acaso é a melhor arma contra o desejo de elevação típico do absurdo homoreligious. Este desejo danoso que recusa a admitir que nossa existência é um produto sem causa nem desígnio, ou seja, toda dor ou tédio que sentimos é apenas dor e tédio. Troco a convivência com meu filho pela convivência com uma estranha. A partir daí a possibilidade de ficar cego, ao chegar à superfície, é somente um das possibilidades. No entanto, há o dever de obediência, ou seja, o querer cegar-se, o estranho desejo de ficar cego. Pois este dever/desejo seria a própria crença de que o melhor modo de ver as coisas é a cegueira: ambição obsessiva de dar conta do conjunto das coisas conhecidas e desconhecidas ao mesmo tempo. O ver mais geral. O ver acima. É contra esse tipo de ver sobre a natureza (visão sobrenatural) do homoreligious, que eu, el Topo, se insurge. Foi preciso matar seus mestres. Superá-los até a indiferença. Insurgência trágica contra o credo comum de toda denegação filosófica, científica ou religiosa da realidade. Denegação que oculta o caráter único da vida, mantendo-a à distância de sua falta irremediável de recursos de conforto exterior a ela. Denegação que visa atenuar o rigor de existir. Trágica pois sua realidade é suficiente e tem a plena certeza de seu nada constitutivo. Não é um mal terrível nenhuma ver as coisas tal como elas se apresentam: heterocídio.
A segunda trajetória, como Dionísio ou Renato, ambos nascidos novamente, acordo em uma caverna como algum tipo de salvador. Venerado, cuidado e esperado como alguém detentor de uma grande resposta. No entanto, esta "segunda chance" me é o próprio ato de evitar o destino coincidindo como a sua própria realização: suicídio - tentativa de extirpar o inextirpável, a morte. Um e mesmo gesto: o fatal (a caverna) e o da esquiva (a cidade da superfície). A tentativa de se eliminar o acontecimento (a morte), elimina apenas uma de suas versões (velhice, doença, acidente, heterocídio, suicídio). A frustração do acontecimento (preconceito naturalista) é a mesma da expectativa do acontecimento (preconceito divinista). A pedagogia moral (processo) é a mesma consciência moral (resultado). Ao mesmo tempo que exponho o criminoso, me exponho como o criminoso. Coincidência rigorosa. Círculo tautológico. Renascido a força natural nem é inércia material nem é o poder humano de intervenção, tampouco é alguma coisa pensada e definida. O filho resurge em seu desejo de matar o pai. Mas sua morte pode ser adiada até que seu trabalho platônico termine. No entanto o privilégio de não existir já foi negado a todos/as. À necessidade da morte é impossível de se escapar. Não há disfarces. Nada acrescentará algo à vida. Não é possível ter mais vida. A vida somente se torna vida se disfarçada de morte: travestida. A eficácia da ideia de se ter mais vida, ou outra vida, é proporcional à seu travestimento, em outras palavras, à sua imprecisão. Somente travestida, ou seja, somente imprecisa a idéia de "mais vida" torna-se invulnerável. Essa minha segunda trajetória, torno-me, el Topo, o grande inimigo da crença. Não enquanto verdade, e sim, enquanto precisão: somente é invencível aquilo que não existe.
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