Libertárias - ou Um exército disposto a desaparecer
O registro da Guerra Civil Espanhola de 1936, desencadeada por um golpe militar, no filme as Libertárias cumpre duas finalidades primordiais. Uma, preservar na memória a luta de dimensão ideológica e a potência revolucionária de um povo que, organizado em frentes de resistência contra o fascismo, contra o autoritarismo e contra a moralidade católica. A outra trazer o legado da luta de milícias de mulheres que não apenas lutaram contra o autoritarismo, mas potencialmente contra a opressão feminina, tanto dos nacionais quanto dos republicanos.
O que é expressivo no filme é a dimensão de que as mulheres reivindicam e exigem o reconhecimento de serem “equivalentes” aos homens.
“Somos equivalentes”. Essa a expressão mais simbólica das reivindicações das mulheres que organizadas em uma frente armada, com mais de 20.000 filiadas, travaram a trajetória para educar e libertar as mulheres da prisão da submissão, da escravidão e da maternidade reprodutiva.
A película nada tem de hiperrealidade, nem tampouco romantiza as personagens ou mesmo as idealiza. A representação provoca a compreensão das motivações ideológicas e sociais pelas quais lutavam. As mulheres foram vencidas e a dimensão da exclusão e da opressão se transformam na marca de uma cultura masculina de raiz católica e fascista.
O Estado, o exército, o latifúndio, a igreja e o capitalismo se preservam enquanto expressões máximas da opressão de gênero.
Mais do que um registro histórico, o filme produz os sentidos de uma concepção ainda presente da categorização de gênero que desqualifica e exclui as mulheres do espaço de vida pública e reafirma os modelos de aprisionamento ao espaço domestico não político.
Como pensar essa dimensão dissociada da idealização sócio-política da igualdade de gênero? Em práticas cotidianas de ódio ao sistema, ao autoritarismo masculino e à desumanidade de políticas e educação que impõe a acomodação, a apatia e a insensibilidade.
“Mujeres Libres” desafiaram o modelo e se negaram a reproduzir a dinâmica burguesa da submissão, da servidão e da moralidade católica que lhe impôs ô ônus da reprodução.
O registro do assassinato das mulheres que ainda resistiram no front de batalha foi registrado com a sutil dimensão da “equivalência”:
As mulheres livres não têm medo... Não são poupadas... Não são vitimizadas... Não fogem e não se salvam, porque não são cristãs, não preferem a vida a qualquer preço. Preferem a morte a viver como escravas ou submissas.
O que se revela a partir da luta das “Mujeres Libres” é a memória para todas as gerações de mulheres que decidiram entrar para a história pela luta e derrota pela morte, mas recompensadas por nunca terem se curvado ante aos opressores.
Que nos inspire, pois, a realidade do passado está impregnada em nosso presente, pois também somos filhos e filhas da mesma e nefasta moralidade cristã, do autoritarismo político e do poder masculino hoje dissimulado em discursos educativos de que “juntos (sic) tudo é possível”.
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