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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Waking Life: um ensaio sobre a cegueira cotidiana

Nas décadas de 1960 e 1970, por toda parte a imaginação estava no poder e as idéias eram perigosas. Pois ambas estavam a um passo de se tornarem reais. Havia desejo por mudanças radicia. Tudo deveria ser experimentado. A vida era tudo o que se tinha. Revoluções, sexo, drogas e rock'n roll. Estas eram expressões direta e inocentes de uma radical adesão ao viver. Cada momento dessas experiências bastava-se a si mesma. Podia-se celebrar os aspéctos efêmeros da vida. Podia-se brindar à finitude. 

Já na década de 1980, começa-se sentir a ressata de tamanho gozo incondicional. Preconiza-se o afastamento da existência fugidia e caráter cambiante da vida. Inicia-se a cristalização das vias de acesso à felicidade. O desejo de imobilidade brota. Dá seus primeiros frutos. A alegria de estar vivo para diante a força dos desejos por eternidade e imortalidade.

Eis que chega a década de 1990. A aceitação integral dos aspectos perigosos, problemáticos e enigmáticos da existência fora esquecido a muito tempo. Tudo é desejo de ordem. Pelo menos ilusão de ordem. A imaginação fora trocada pela literalidade. No poder está a estabilidade, o conforto e a segurança. A realidade torna-se incômoda. Cresce o desejo de livrar-se dela. Os ambientes tornam-se climatizados. A tolerância é zero.  Assim prepara-se a entrada do século XXI: remédios, escapatórias e consolos.

Porém, Wakin Life (2001) de Richard Linklater, abre o século XXI, - melhor que a abertura feita pela inteligência artificial HAL da Odisséia no Espaço e a preparada pela estabilidade, o conforto e a segurança prometidas na década de 1990. Abre essa primeira década instigado a estabelecer um novo solo fértil para se ultrapassar os limites do até então pensado: reflexão crítica onírica ou sonho iniciático. Denso e leve. - como sonhar correndo junto a lobos. Afeito à criação - não ser formiga. Identifica questões mal colocadas - como a do fim do existencialismo. Identifica falsos problemas - como a questão do "eu". Waking Life aposta na perda de parâmetro com a qual uma belíssima reivindicação da potência de estar vivo escapa de toda argumentação.O sonho transborda. É ante-sala da realidade. Não é simulacro de simulação alguma. Não cria um fantasma do real. É espaço limítrofe. Lugar de modéstia e grandeza. Lugar de produção de verdades incertas. Onde jamais dá para ser a mesma pessoa. É preciso que sonhar seja uma luta. Não a luta mesquinha pelo poder. Mas a exuberante luta anti-poder. Talvez desse modo nossas idéias e desejos voltem a ser perigosos a todos/as que pretendem manter seus privilégios 

Wakin Life, assistido nesse momento de 2010 nos alerta que, os investimentos psicológicos-coletivos do passado e de agora, fácil, fácil, tornam-se auto-satisfação ilusória da cegueira cotidiana.

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