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domingo, 8 de agosto de 2010

A Montanha Sagrada - ou a teologia materialista do Real

O filósofo alemão F. Nietzshe dizia que seu livro "Assim falou Zaratustra" era, nada mais nada menos, que a versão alegórica de seu livro "Para além do bem e do mal". Como assim? Simples, os temas são os mesmo. Só o tratamento que é diferenciado. Então, isso quer dizer que dá para falarmos sobre uma mesma coisa de maneiras diferentes? Sim , é exatamente isso. Mas... o que isso tem a ver com "A Montanha Sagrada" de A. Jodorowsky? Bem, diríamos que esse filme seria a versão alegórica do seguinte tema: a alienação constitutiva do sujeito dentro da lógica simbólica. A Montanha Sagrada é um discurso logicamente impecável, porém operando dentro de uma lógica diabólica. O símbolo une. O diábolo separa.

Jodorowsky não pretende estruturar uma realidade para nós. Através de um mimetismo distorcido de rituais religiosos (por exemplo, um homem travestivo é Maria, mãe de jesus, e este um mero ladrão) ele evidencia políticas estruturais (outro exemplo, a invasão espanhola-critã ao México representada por sapos e lagartos). A subida do Monte Carmelo (místicia  de João da Cruz) equivale à degeneressência de tudo o que é sensual. (o atentado religioso contra tudo o que é significante). A civilização, (bem representada pelos "escolhidos") em toda a sua pompa, glória, arte, tecnologia e poder, puxa as cordinhas, e fala por todos os indivíduos. Estes apenas deliram. Cada um em sua singularidade delirante. O delírio é o que une cada sujeito à sociedade. Sem ele não há experiência social possível. O delírio só pode operar pela lógica simbólica. É o conectivo necessário para a ordem "natural" das coisas. Assim, tudo é passível  de desalienação é tudo aquilo que pode ser sublimado. O caos do mercado, os valores morais decaídos e a manipulação asséptica do prazer, etc, não servem como culpados para a decadência social. Apenas servem como aquilo que faz durar a sociedade. É o próprio sujeito em seu delírio o responsável pela duração da sociedade. Em sua megalomania de hiper-vítima. Seja vítima das circunstâncias, vítima de outros sujeitos, vítima da ordem simbólica, etc. Jodorowvsky pretende estruturar a realidade em múltiplas realidades.

Até mesmo a revelação final de que o filme é apenas um filme. Não é suficiente para restabelecer uma realidade diante de tanta fantasia, ilusão e sedução. O olho não seletivo da câmera está enquandrado pela mediação do olho do fotógrafo e do diretor. O olhar do espectador já está condenação. Em cada mediação, tudo é excesso, tudo é exuberante, tudo é pintado com as cores mais fortes. Porém, jamais sendo suficiente para ocultar o imenso deserto que é a realidade. Tanto o real quanto a ilusão são superficiais e regidos  por regras estereotipadas. Qualquer que seja a imperfeição, a miséria e o sofrimento, tanto no filme, quanto no mundo real revelado ao fim, é ao mesmo tempo ilusão e realidade. Uma não se sustenta sem a outra. Uma apenas aponta a outra, e assim a deixa intocável. Imperturbável. Toda ilusão é transgressão inerente. Torna tolerável o real. Ao mesmo tempo em que distorce a si mesma. Escondido por trás da textura social explícita não há nada além de outra ficção simbólica consesual. Mais do que a alegoria simbólica narrativa de A Montanha Sagrada (uma ficção com potência liberadora), é a sua lógica diabólica, que pode nos ajudar à sair da alienação das ficções. A lógica diabólica desse filme de Jodorowsky não nos revela o que está escondido, mas sim multiplica realidades.

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