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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Veludo Azul - ou nada decidiu a forma de exsitência que observamos

Comecemos com duas recusas fundamentais: (1) Lynch enquanto crítica à superficialidade e regras estereotipadas da vida social, e (2) a sanidade para Lynch é deixar-se submeter ao fluxo subconsciente da energia vital. Essas recusas são fundamentais para mudar a direção das interpretações comuns sobre Veludo Azul. Portanto, desde já recusemos o comum. Assim como David Lynch faz.

Veludo Azul é um manifesto contra a obediência (dever de) ontológica (ou metafísica) ao grande, ora estimulante, ora anestesia ancestral que nos parece inextirpável: a idéia de felicidade. Porque manifesto contra a felicidade? Pois esta é a mais sinistra e absurda disciplina para se divinizar algo. E divinizar é o mais alto grau de cumplicidade ideológica com a servidão à instância supra-natural que acompanha qualquer apararição do real. Eis alguns exemplos dessa cumplicidade: espírito, liberdade e natureza humana. Porquê obediência ancestral? Pois quanto mais antigo o  imaginário, mais este se desdobra e se reforça em ordem moral, uma culpabilidade. Assim, a idéia ancestral é sempre infalivelmente orientada por temas morais. Mais exemplos: primitividade, autenticidade e pureza. E, porque inextirpável? Porque a realidade parece se sustentar em fantasias geradas por uma unidade psicológica infalível chamada indivíduo (ou sujeito se preferir). Esta unidade infalível adquire uma forma geral de crença de que os seres devem a realização de sua existência a um princípio não alheio dele mesmo (interioridade/sujetividade) proporcional à imprecisão do mesmo. Um tanto confuso? Não, pois quanto mais imprecisa essa unidade, mais se contribui para a crença em sua invulnerabilidade fundamental. Assim o indivíduo torna-se invencível, pois o princípio que lhe dá consistência é vago, impreciso. Nada é tão invencível quanto aquilo que não existe. Pois sabe-se sempre dizer porque se crê nisso ou naquilo, porém nunca se sabe dizer sobre aquilo em que precisamente se crê.  Exempos: Deus, Natureza e Felicidade.

David Lynch substitui a demonstração impossível da obediência ontológica à felicidade pela mostração do acaso imprevisível, singular e insoluvelmente contraditório dos gestos humanos. O grande inimigo dessa obediência não é a verdade a ser revelada, mas sim a precisão em que algo se mostra. David Lynch é preciso. Sua ilusão e delírio é imagem precisa. Pois o diretor não se deixa mostrar nem como ideológico (imagem imprecisa e prolixa) nem como cético (imagem silenciosa e moderada). Suas imagens podem até serem imagens-erradas, mas jamais imagens-miragem. Pois Lynch aposta. Não há outra coisa, escondida por trás do outro social que se explicita na perversão. Há sim uma multiplicidade de realidades impossível de serem traduzidas umas às outras. Todas as realidades acontecem horizontalmente. É violência (diferente de violenta) tanto a relação de Frank e Dorothy, quanto as relações Jeffrey e Dorothy, Jeffrey e Sandy. Nelas o desejo basta em si mesmo. Não se espera nenhuma confirmação da experiência. Pois não existe nem mesmo uma idéia que possa confirmá-lo. O desejo é um delírio simbólico consensual. Não se pode acordar quem já está acordado. É o mesmo tanto na instiuição policial quanto na sociedade do crime. E a produção dele é tão mecânica e automática que Lumberton é um mito. Com seus jadins e flores bem cuidados essa cidade mitológica é o lugar ideal para todo o tipo de violência e ocultamento. É somente nela que se representa um princípio original a partir do qual a repetição (rito) somente é considerada por ter se começado a repetir. Mais aí vem a vertigem: Lumberton é simultaneamente da ordem mitológica quanto na ordem ontológica.  Pois é também lugar ideal para besouros se bem alimentarem, para que em seguida, gordinhos, sirvam de alimento para pintarroxos. Como também é  lugar ideal para se morrer. Sua única função é negativa. Sinaliza sua presença e realidade como tal, somente em oposição a sua ausência: que seria propriamente o caos pré-civilização.

Veludo Azul não é conivente nem com a ideologia realista quanto com a ideologia ilusionista. Neste filme só a idéia de que o acaso é quem permite conceber a passagem de uma realidade a outra. A multiplicação de realidades nos mostra que o mundo não é um produto fabricado, mas sim algo fortúito. Sua impressionante narrativa não se reduz a nenhuma promessa de explicação. Já que é a expressão de um desejo de se ter uma realidade a se interpretar o que caracteriza a religião, a superstição e a ideologia.

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2 comentários:

Renata Figueiredo 12 de agosto de 2010 às 14:52  

Leo Adorei! Me deu até vontade de assistir!
hahhaha
Bjoo!

Sandra,  22 de agosto de 2010 às 18:44  

As recusas foram feitas... Veludo Azul provoca afetos em multiplas realidades ... caóticas ... harmônicas ... não interpretadas!!! Assim como nós, Veludo Azul não é, difinitivamente, conivente nem com a realidade nem com a ilusão. As imagens se constroem em uma linguagem não linear para revelar apenas a mera pretensão de verdade ... em tudo que mostra ou oculta inconscientemente ...

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