Vida Cigana - ou adesão à existência sem remorso nem segundas intenções
Não é Deus quem organiza a providência geral, mas sim, o acaso. Para sentir tamanha felicidade é preciso uma vontade de se desiludir. Uma paixão que não necessita da caução divina para disfarçar os múltiplos inconvenientes ligados ao viver. Provação e prova simultaneadas. Nenhum lugar há para filosofias-Prozacs. Mas, sim, todo espaço possível para a evidência da morte, do efêmero e do sofrimento. Belíssima aliança secreta entre o trágico e o jubiloso. Ocasião muitas vezes vista como mórbida, mas ao contrário, tal aliança é sinal da maior saúde. Eis "Vida Cigana", filme do diretor sérvio cirílico Emir Kusturica. Com toda a certeza um dos melhores filmes já passados pelo Cin'Surgente. Desde o refinamento de seus elementos técnicos passando pela delicadeza do delirado, até a rudeza da afirmação do real que basta a si mesmo.
Antes de tudo, é válido lembrar que, sem música e dança, não haveria Kusturica. Não pelo fato de Kusturica ser um cineasta músico, mas pelo fato de sua constituição cigana. Isto o leva a uma peculiar cinematização: o júbilo cigano. Cinema como consequência da música e da dança. Um filme assim realizado, júbilo cigano, é relegado por muitos como vulgar, pois a alegria cigana, afirmação jubilosa mesmo no trágico, não é considerada digna de interesse para além do exotismo bufo. Porém, Kusturica, caricaturando uma família da antiga Iugoslávia, se opõe radicalmente tanto ao romantismo quanto às vulgaridades interpretativas de sedentários e outros coveiros.
As personagens são todas experiências imediatas à realidade sensível e empírica. Sempre entre festas e festejos estão absolutamente à vontade em suas existências. Não sentem vergonha nem culpa. São expressões que nada tem a ver com dissimulações: o lúcido louco, o noivo bêbado, os bastardos, o viciado em jogo - causa de si mesmos, nenhuma resistência, portanto, nenhuma consciência obstinada perante objeções. As crianças vendidas, as exploradas pela mendicância semi-profissionalizada, a prostituição, a máfia, múltiplos coloridos selvagens. Danira, Pehran, sua avó, seu perú de estimação, sua pretendente, todos/as preparados/as para um Carnaval de grande estilo. Todas/os afinadas/os para a mais espiritual gargalhada. Todos/as prontos/as para a exuberante e carnavalesca sabedoria aristofântica. Nobres traidores/as de todas as coisas que podem ser traídas - os ideais! Pura expressão da alegria da mudança e da passagem.
A tese principal da "Vida Cigana" é: jamais se render à violência da vítima, ou seja, ao deixar-se vítima. Dessa negação, a maravilhosa sabedoria trágica do povo cigano: a liberdade jamais deve ser substancializada. Ou ainda: todo nacionalismo é nostálgico e teme o futuro. Neste sentido, nem máximo, nem mínimo de nação possível. Nenhum leito de enfermo para a política, como são as vontades da maioria. Nenhuma cultura idêntica à era glacial, como são os Ministérios e as Secretarias da Cultura. Nenhum humanismo que tenta imprimir com brasa uma regularidade ao mundo. Sim, a pessoa genial é a antítese mais radical contra qualquer que seja o Estado, a Igreja e/ou o Trabalho forçado.
Antes de tudo, é válido lembrar que, sem música e dança, não haveria Kusturica. Não pelo fato de Kusturica ser um cineasta músico, mas pelo fato de sua constituição cigana. Isto o leva a uma peculiar cinematização: o júbilo cigano. Cinema como consequência da música e da dança. Um filme assim realizado, júbilo cigano, é relegado por muitos como vulgar, pois a alegria cigana, afirmação jubilosa mesmo no trágico, não é considerada digna de interesse para além do exotismo bufo. Porém, Kusturica, caricaturando uma família da antiga Iugoslávia, se opõe radicalmente tanto ao romantismo quanto às vulgaridades interpretativas de sedentários e outros coveiros.
As personagens são todas experiências imediatas à realidade sensível e empírica. Sempre entre festas e festejos estão absolutamente à vontade em suas existências. Não sentem vergonha nem culpa. São expressões que nada tem a ver com dissimulações: o lúcido louco, o noivo bêbado, os bastardos, o viciado em jogo - causa de si mesmos, nenhuma resistência, portanto, nenhuma consciência obstinada perante objeções. As crianças vendidas, as exploradas pela mendicância semi-profissionalizada, a prostituição, a máfia, múltiplos coloridos selvagens. Danira, Pehran, sua avó, seu perú de estimação, sua pretendente, todos/as preparados/as para um Carnaval de grande estilo. Todas/os afinadas/os para a mais espiritual gargalhada. Todos/as prontos/as para a exuberante e carnavalesca sabedoria aristofântica. Nobres traidores/as de todas as coisas que podem ser traídas - os ideais! Pura expressão da alegria da mudança e da passagem.
A tese principal da "Vida Cigana" é: jamais se render à violência da vítima, ou seja, ao deixar-se vítima. Dessa negação, a maravilhosa sabedoria trágica do povo cigano: a liberdade jamais deve ser substancializada. Ou ainda: todo nacionalismo é nostálgico e teme o futuro. Neste sentido, nem máximo, nem mínimo de nação possível. Nenhum leito de enfermo para a política, como são as vontades da maioria. Nenhuma cultura idêntica à era glacial, como são os Ministérios e as Secretarias da Cultura. Nenhum humanismo que tenta imprimir com brasa uma regularidade ao mundo. Sim, a pessoa genial é a antítese mais radical contra qualquer que seja o Estado, a Igreja e/ou o Trabalho forçado.
____________________________
0 comentários:
Postar um comentário