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terça-feira, 16 de novembro de 2010

Outubro - ou A partir do modelo Chinês

Lendo o título deste post, alguém pode muito bem estar se perguntando: Como assim, Outubro a partir do modelo chinês? A revolução russa não aconteceu antes da revolução cultural chinesa? Pois bem, o que trata nosso assunto é antes uma questão de forma do que de conteúdo. É uma questão entre formas poéticas. O modelo chinês é a poesia baseada em pictogramas. A montagem fílmica de Eisenstein é essa poesia colocada em movimento. 

No entanto, não deixarei de fazer a seguinte provocação quanto ao seu conteúdo: "Outubro" é um filme realizado em 1927 a pedido do Estado Russo em comemoração aos 10 anos da Revolução Bolchevique. Pois bem, seria esse tipo de filme-propaganda, diferente do "O nascimento de uma nação" (1915) de David W. Griffith, ou de alguns dos filmes-propaganda de Leni Riefenstahl? Aqui abri-se mais um espaço para o "Como assim?". Bom, o que sustenta esta provocação é simples: o Estado, seja qual for sua origem, sempre emerge de uma divisão política anterior da sociedade e não de uma divisão econômica da mesma; assim, tanto um Estado governado pela Ku-Klux-Khan, quanto outro governado pelos Bolcheviques, ou mesmo outro governado por nazistas é ainda uma sociedade de classes, por simplesmente não visar a superação das estruturas estatais! Qualquer um deles teve ou teria uma burguesia não menos feroz que a mais feroz burguesia da outrora Europa do século XIX. A indiferenciação provocativa é que, o conteúdo de todos esses filmes-propaganda citados acima é uma comemoração elogiosa, históricamente efetivada (Russia), ou hipotética (EUA e Alemanha),  à irredutibilidade de uma sociedade com Estado para uma sociedade sem Estado - como diria Pierre Clastres.

Se ainda continuas aí após tal heresia radical, sem teologias e catecismos, sigamos ao tema central deste post: a forma. Como na música ocidental, segundo Ernest Fenoloosa (filósofo norte-americano), há na poesia chinesa "harmônicos". Tais transitam de ideograma para ideograma. Esse trânsito é o que transforma um verso em algo pictórico. Os "harmônicos" da poesia chinesa formam rimas visuais. São harmônicos imagéticos. No entanto, estariam mais para uma pintura ou mesmo para uma fotografia.  Porém, esse modelo, bem estudado por Eisenstein, é insuficiente, pois criam conceitos abstratos estáticos. Eisenstein pretende atribuir dinâmica, atribuir teatralidade aos harmônicos imagéticos. Essa atribuição seria possivel da mesma forma que se pinta um poema visual chinês, porém, seu ritmo gestual se daria mediante a montagem fílmica. Onde dois objetos concretos dispostos sequencialmente (tal qual os harmônicos dimagéticos da poesia chinesa) criariam conceitos abstratos. Duas imagens colocada em sequência criam um terceiro significado. A montagem seria um intrumento intelectivo próximo a criação de conceitos até então somente realizada pela linguagem escrita: frases de montagem.

A mensagem formal de Outubro é poética. Há seleção, combinação e ritmo entre metáforas visuais e simbologias. Como exemplo, lembremos de apenas quatro frases montagem de Eisenstein: 1) a Estátua de Alexandre III e o povo sobre ela = morte à monarquia; 2) burguesas histéricas e o linchamento do jovem manifestante = sublimação do gozo sexual; 3) Kerenski e o pavão = soberba própria tanto à monarquia quanto à burguesia; 4) Kerenski e os cavalos: vá à merda Governo Provisório! Ironicamente tais metáforas e conceitos de Outubro não conseguiram e ainda não conseguem atingir todas as classes, pois há um certo elitismo devido a força que sua montagem intelectual atinge: é extremamente elaborada. A compreensão não se dá de primeira. É necessário dedicação; é preciso pensar cuidadosamente sobre. Talvez seja nesse momento elitista que esse filme-propaganda vá - como os outros filmes de Eisenstein - além do elogio às estruturas estatais e à efetiva superação da sociedade de classes: se pôr a pensar e se envolver com inteligência nessa disposição, independe de classificações coletivas, pois raras são as pessoas habilitadas a tal empreitada.

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