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domingo, 7 de novembro de 2010

Stalker - ou a transvaloração do turismo

No século XIX, o inventaram. A forma mais miserável e despresível já vista percorrendo a face da Terra. A assombração de monumentos. O grande caçador de culturas. O grande coletor de imagens. O grande consumidor de diferenças. O grande corpo sem órgãos perseguidor de souvenirs. Sim, ele mesmo... o TURISTA!

Pois é... neste rincão do universo... neste planetinha... inventaram o Turismo. Estrutura psíquica, filha do Imperialismo (ocupação, estupro e pilhagem) com a Mercadoria (Sociedade do Espetáculo e Empresas de Cartões de Crédito). Fruto desse casamento também conhecido como capitalismo pós-colonial. Turismo, a filha fetiche. Já maquiada e vestidinha com roupinhas insinuantes desde a mais tenra idade. Quantos catálogos e filminhos promocionais já não fizeran com ela? Ou... com ele?

Os valores gerados por essa forma despresível de viajante são destruidores dos significados originais dos lugares visitados. Não são valores de troca. Não há nenhuma ética de reciprocidade. Pois a valoração é mediada pelas Agência de Viagens. Muito menos são valores da abundância. Não há nenhuma ética da gratuidade de se dar presentes aos/às anfitriões/ãs. Já que não são hóspedes de ninguém, a não ser dos agentes de viagem, que paradoxalmente nada têem de anfitriãos/ãs.
Alguém deve estar pensando: "Nosssa! Quanta virulência contra o Turísta! Quem escreve estas palavras amargas deve ser um terrorista, que não quer estrangeiros em suas terras". Para evitar que esse tipo de pensamento se alimente mais, coloquemos em cena Stalker (1979), maravilhoso filme-textura com encantadores contrastes de luz, sombra e cores, fantástica fotografia e sublimes silêncios, maestrado pelo cineasta  russo Andrei Tarkovsky. 

"Mas... o quê tem a ver Stalker contra o/a turista?". Ahá! Boa pergunta. Esse filme de ficção-científica é um cuidadoso tratado de Transvaloração do Turismo. É um poderoso discurso que instaura uma outra motivação para se viajar. Não é a guerra - para o/a imperialista. Não é a troca - para o/a antigo/a comerciante. Não é peregrinação - para o/a religioso/a. Nem é a mediação predatória - para o/a turista. A motivação que Stalker instaura é a árdua, mas edificante, fusão entre o objeto de desejo e o próprio desejo. 

A Zona é um espaço de flutuação, puro movimento e vida. Nela não há estações, rodoviárias e aeroportos. Consequentemente não há carros, ônibus ou aviões. Não há hotéis, restaurantes, lojas de souvenirs e monumentos para se fotografar ou filmar. Muito menos há catálogos, livretos ou pafletos. O espaço-tempo da Zona é a própria viagem. É certo que ela também é uma invensão. Mas isso não é problema. Somente nos diz que podemos inventar coisas melhores. 

Stalker é um tipo de guia jamais pensado até então. Não é um terapeuta, um pastor, nem mesmo um guia turístico. É apenas um buscador. Tal qual quem quer visitar a Zona. Ambíguo, duplo e sobreposto. Carrega tanto o desencantamento da necessário da Ciência, quanto o encantamento inútil da Religião. Não tem nome. Portanto, não é indivíduo é função. Não é sujeito, é o propriamente verbo. Assim como o cachorro - guia do retorno - que dá o sinal de que a transvaloração foi realizada. Pois apenas se pode desejar irracionalmente. E esta, só se é garantida por boas razões. Assim, transvalorar o turismo é saber, trágica e jocosamente, que só quem busca a felicidade é mesmo um/a infeliz.

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